No capítulo 1, de Rede de Dormir, Luís da Câmara Cascudo discorre sobre os primeiros registros relacionados ao objeto à época do descobrimento do Brasil e como ela era usada nas diferentes regiões no país durante o período colonial e imperial. Segue trechos do livro:
"Quem primeiro denominou a hamaca sul-americana de rede foi Pero Vaz de Caminha e temos a data exata da denominação: segunda-feira, 27 de abril de 1500. É o padrinho da rede de dormir". (...) "É o primeiro registro em língua portuguesa: `uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam`. Batizou-a pela semelhança das malhas com a rede de pescar".
"Não perguntara aos donos da casa que nome havia. Impôs-lhe alcunha portuguesa", diz Cascudo, explicando que entre os índios o objeto era designado "maca". "(...) o habitante das florestas tropicais sul-americanas quem inventou a maca (rede), que também em francês e inglês ainda hoje é designada com a palavra nu-aruaque amáka". Trecho extraído de Karl Von Den Steinen, em "Entre os Aborígenes do Brasil Central", citado por Cascudo.
Principal utensílio
"As redes de tecido compacto foram técnica das mulheres portuguesas. A vinda dos teares aperfeiçoou a rede, ampliando-a, enfeitando-a, dando-lhe as franjas, varandas, tornando-a mais macia, confortável, ornamental". Câmara Cascudo cita Jorge Marcgrav que viveu de 1638 a 1644 no Nordeste brasileiro: "Os utensílios caseiros dos brasileiros são muito poucos, de maneira que, quando mudam de domicílios ou saem peregrinando, a mulher tudo leva consigo, carregada como uma mula, sempre acompanhando o marido. O principal utensílio é a rede, que eles mesmos chamam Ini, os lusitanos, Rede, os belgas Hangemach; vulgarmente Hamaca, na qual dormem, presas às traves numa e noutra extremidade, com auxílio dela.
Liteiras de rede
A versatilidade da rede ("servia de cadeira, escabelo, mocho para o descanso") desemboca em sua adaptação em liteiras. "As liteiras, que a dominação romana havia divulgado por toda parte, sugeriram aos portugueses e espanhóis quinhentistas adaptar a rede à função de veículo transportador. Suspensa por forte vara apoiada nas extremidades aos ombros de escravos, a rede ficou sendo um dos transportes mais cômodos e deleitosos".
Da rede à cama
Onipresente em todo o Brasil colonial, a rede encontra destino diferente, entrando em declínio, no Brasil imperial. Veja o que diz o autor: "Com o enfraquecimento do artesanato doméstico as redes diminuíram, enquanto a facilidade do fabrico de leitos e de camas-de-vento crescia com o aumento de carpinteiros atraídos pelo desenvolvimento das vilas que gravitavam ao derredor das cidades grandes, Rio de Janeiro e São Paulo. A influência das modas de França, depois de 1830, vulgarizava os leitos e era de fácil o reproche de ainda manter-se uma tradição indígena, uso de 'bárbaros' em pleno regime de 'civilização'. A rede especialmente no Sul do País, sofreu longa, diária e teimosa campanha de descrédito como elemento desmoralizador dos foros progressistas do Império. Sempre esperamos valorização do 'nacional' pela opinião estrangeira do alienígena. Se houver concordância é que estamos certos. No contrário, é tempo de 'corrigirmos' a usança, evitando o atraso, a retrogradação, a barbárie. Os nossos são padrões da 'gente de fora', embaixadores das terras sábias e dos povos cultos".
Segundo Cascudo, em torno de 1850 a rede estava em derrocada e havia acanhamento em usá-la. Ele arremata com Simão Machado: "o brasileiro é digníssimo filho do português na desconfiança dos seus próprios méritos e embevecimento pelos alheios".
Assim Cascudo relata o efeito colonizador sobre os costumes nativos em detrimento do que era "ditado pela voga europeia, pela moda, pela irresistível força sedutora da imitação".
No próximo post seguiremos com o capítulo 2 do livro Rede de Dormir. Para ver todos os posts desta série clique em Marcadores/História da Rede.
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